“Carta aos meus”

“Amigos. Amigos de Porto Alegre. Amigos da grande Porto Alegre. Gaúchos do RS. De Santa Catarina… do Rio. Do Sertão. Do Brasil. Gaúchos pelo mundo:

Me desculpem.

Me desculpem o silêncio. Me desculpem a falta de contato. A falta de acolhimento. A falta do apoio. A falta da palavra amiga tão certeira e presente como sempre trocamos ao longo de nossa amizade.

A tragédia (como sempre, anunciada) que vocês atravessam, em suas mais diferentes escalas, chega até mim num momento totalmemte inesperado. Fora de foco, longe do meu radar e atencão.

Na última sexta-feira eu e meu filho embarcamos numa road trip até as cercanias de Londres para visitar meus amigos de POA (ou do Uruguay, ou do mundo). Fiquei hospedados com eles até hoje, domingo. E em meio a tantas histórias, afetos, risadas e passeios, a constante chegada de noticias de amigos e familiares cada vez mais dilacerados pela subida das águas que não só alagam seus bairros, suas casas, suas cidades, mas também arrastam seus empregos, seus bens, sua dignidade, sua moral, suas vidas.

Como sorrir? Como abraçar? Como passear? Como postar nas redes nossas lindas fotos visitando parques e castelos? Como cantar sabendo que mais milímetros significam mais desabrigo? Mais perdas? Mas feridos? Mais desesperança? Que enquanto entornamos nossas canecas com chás e cafés quentinhos, meus conterrâneos choram lágrimas com seus pés cobertos de água e lama? Esperam a ajuda oficial que não chega, que desgoverna, que desassite?

Não sei como. Mas fizemos o melhor que pudemos. Meus anfitriões foram maravilhosos. Durante esse final de semana, conseguimos de uma certa forma driblar a culpa e, em silêncio, sem palavras, discursos ou demagogia, cada um de nós fez seu próprio esforço em manter nosso tempo juntos o mais agradável possível. Como se fosse possível não pensar em Porto Alegre… Na grande Porto Alegre, no Brasil.

E aqui, com essa “carta aberta”, penso em vocês. Me comunico com vocês. Mesmo que vocês não tenham o luxo de ter tempo para ler. E digo: estou aqui se precisarem de mim. Raramente não sei como ajudar. Raramente fico em silêncio. E dessa vez, fiquei de longe. Mais de longe do que nunca. Mais em silêncio do que nunca. Por mais tempo do que eu gostaria. Mas nunca com menos afeto ou solidariedade.

*A cheia do Lago Guaíba atinge cerca de 5,09 metros de altura já ultrapassa a ‘Enchente de 41’; cerca de 900 mil pessoas estão sem luz nem água no Rio Grande do Sul; até o momento, 75 mortes foram contabilizadas;

Open letter to my loved ones:

My dearest friends. Friends of Porto Alegre. Friends of greater Porto Alegre. Gaúchos from RS. From Santa Catarina…from Rio. From the Sertão. From Brazil. Gaúchos around the world:

I’m sorry.

I’m sorry for the silence. I’m sorry for the lack of contact. The lack of reception. Lack of support. The lack of friendly words that we have always exchanged throughout our friendship.

The tragedy (as always, announced) that you are going through on its most different scales, comes to me at a totally unexpected moment. Out of focus, away from my radar and attention.

On Friday the 3th of May my son and I embarked on a trip to the outskirts of London to visit my friends from POA (or from Uruguay, or from around the world). I stayed with them until today, Sunday. And in the midst of so many stories, affections, laughter and outings, the constant arrival of news from friends and family increasingly torn apart by the rising waters that not only flood their neighborhoods, their homes, their cities, but also wash away their jobs, their goods, their dignity, their morals, their lives.

How to smile? How to hug? How to go for a walk? How can we post our beautiful photos visiting parks and castles on social networks? How to sing knowing that more millimeters mean more homelessness? More losses? More pain? More hopelessness? That while we pour our mugs of hot teas and coffees, my contemporaries cry tears with their feet covered in water and mud? Do they expect official help that doesn’t arrive, that misgoverns, that disables people?

I don’t know how, but we did the best we could. My hosts were wonderful. During this weekend, we somehow managed to overcome our guilt and, in silence, without words, speeches or demagoguery, each of us made our own effort to keep our time together as pleasant as possible. As if it were possible not to think about Porto Alegre… In greater Porto Alegre, in Brazil.

And here, with this “open letter”, I think of you. I communicate with you. Even if you don’t have the luxury of time to read. And I say: I’m here if you need me. I rarely don’t know how to help. I am rarely silent. And this time, I stayed away. Further than ever. More silent than ever. For longer than I would have liked. But never with less affection and solidarity.